PGR
O procurador-geral da República, Augusto Aras, propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF), na sexta-feira (21), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de liminar, para que toda a legislação processual penal referente à fase de investigação seja interpretada em sintonia com o princípio acusatório previsto na Constituição. O objetivo é que o juiz sempre ouça o Ministério Público, titular da ação penal, antes de decretar medidas cautelares e proferir decisões que restrinjam direitos fundamentais dos cidadãos.
A ADPF questiona omissões do Código de Processo Penal, da lei que trata de interceptações telefônicas, da lei que institui normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF e do Regimento Interno do Supremo. O PGR pede para a Corte assentar que é imprescindível a manifestação do Ministério Público antes de o juiz decidir sobre pedidos de prisão provisória, interceptação telefônica ou captação ambiental, quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e de dados, busca e apreensão, entre outras medidas, quando não tiverem sido requeridas pelo MP.
Segundo o PGR, os textos das normas questionadas, ao não serem expressos quanto à necessidade de oitiva prévia do Ministério Público, sobretudo na fase investigativa, precisam ser compreendidos à luz da principiologia que rege o sistema acusatório, que tem o MP como único órgão com atribuição para propor ações penais. O Supremo já se pronunciou nesse sentido acerca da atuação do Ministério Público na investigação preliminar. Assentou, em decisão do ministro Sepúlveda Pertence, que o Ministério Público é o árbitro exclusivo, no curso do inquérito, da base empírica necessária à oferta de denúncia (questão de ordem no Inquérito 1.604), menciona Augusto Aras.
Com o advento da Constituição de 1988, o direito processual penal brasileiro buscou superar o então sistema inquisitorial, fazendo clara opção pelo sistema penal acusatório. O modelo, em linhas gerais, impõe a separação orgânica entre as dimensões instrutória, acusatória e decisória, de modo que não se permita à mesma pessoa acumular as funções de investigar/acusar e de julgar, escreve o PGR. Assim, o poder do Estado de punir um cidadão deve ser precedido de apuração adequada dos fatos, formação da 'opinio delicti' pelo órgão acusador, contraponto da defesa e julgamento por um juiz imparcial.
Aras destaca que a interpretação das normas almejada na ADPF já foi acolhida pelo legislador ordinário em várias leis posteriores à Constituição de 1988. É o que dispõe, por exemplo, o art. 2º, caput e § 1º, da Lei 7.960, de 21.12.1989, a qual dispõe sobre a prisão temporária. O dispositivo, ao autorizar a decretação pelo juiz de prisão temporária 'em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público', estabelece que, 'na hipótese de representação da autoridade policial, o Juiz, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público', exemplifica o PGR.
No mesmo sentido, a Lei 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas) impõe que a infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, quando for requerida apenas pelo delegado de polícia, somente poderá ser decidida pelo juiz competente mediante a prévia oitiva do Ministério Público.
Além de ser o titular da ação penal, o MP tem as atribuições constitucionais de fiscalizar a aplicação da lei e de fazer o controle externo da atividade policial, sendo o destinatário de todas as investigações realizadas pela polícia o que reforça a necessidade de opinar previamente e de acompanhar a execução das medidas decretadas durante a fase investigativa. Não é possível que as investigações preliminares transitem entre a autoridade judiciária responsável e o organismo policial designado para prestar auxílio (polícia judiciária) sem a indispensável supervisão ministerial, defende o PGR.
Augusto Aras afirma que a controvérsia, constitucionalmente relevante e com potencial de se repetir em inúmeros processos e investigações, só pode ser resolvida de forma ampla, geral e imediata por meio de uma ADPF. Solicita, por fim, que o STF conceda decisão liminar, pois a demora poderá resultar em reiteradas violações ao sistema acusatório e aos princípios da inércia e da imparcialidade do juiz.
PGR esclarece equívocos de matéria sobre ação que pede para MP ser ouvido antes de operações policiais
Sobre texto publicado por colunista no portal UOL neste sábado (22), intitulado Análise: Aras e chefe da PF querem pôr coleira em investigações contra autoridades, a Procuradoria-Geral da República esclarece:
A matéria traz uma série de imprecisões e equívocos, a começar pela afirmação de que o procurador-geral da República moveu uma ação penal com o objetivo de colocar uma coleira nas investigações sobre autoridades com foro nos tribunais superiores. O que Augusto Aras fez, na sexta-feira (21), foi propor uma ação de controle concentrado de constitucionalidade uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não uma ação penal para que toda a legislação processual penal referente à fase de investigação seja interpretada à luz do princípio acusatório previsto na Constituição. O objetivo é que o juiz sempre ouça o Ministério Público antes de decretar medidas cautelares e proferir decisões que restrinjam direitos fundamentais dos cidadãos, como quebras de sigilo e busca e apreensão.
A iniciativa do PGR ecoa debates antigos no meio jurídico e é necessária para pacificar o entendimento nos tribunais porque, conforme o modelo constitucional acusatório, o Ministério Público é o único órgão com atribuição para formar convicção sobre a existência de um crime e sua autoria, sendo o titular exclusivo da ação penal. O MP também é, de acordo com a Constituição, o fiscal da lei e o responsável pelo controle externo da atividade policial. Portanto, é imprescindível que se manifeste e acompanhe a execução do trabalho da polícia em operações policiais. Isso nada tem a ver com coleira, mas com o modelo adotado na Constituição. É imprescindível que o MP acompanhe tanto operações policiais contra autoridades com foro como operações contra o tráfico em comunidades do Rio de Janeiro, por exemplo.
Matéria com teor semelhante foi publicada também no sábado (22) no Blog do Noblat, sob o título Operação tenta salvar autoridades que temem ser processadas. Os textos demonstram desconhecimento da ordem jurídica brasileira, que, ciosa das garantias fundamentais, admitiu três magistrados no processo penal: um magistrado de persecução (o Ministério Público), um magistrado de garantias e um magistrado para julgamento. Um processo penal em que o Ministério Público é afastado reduz-se à análise de uma só magistratura, trazendo, portanto, menos segurança a todos os cidadãos. A garantia corrente aos investigados é a de que não sofrerão restrições sem a concordância de duas magistraturas independentes e que atuam em sistema de freios e contrapesos. O MP não transige com violações ao devido processo legal para obter a condenação de réus.
A matéria publicada por colunista do UOL também cria uma falsa contradição entre as atuações de Augusto Aras agora e no inquérito das fake news (Inquérito 4.781), dizendo que, de um caso para o outro, o PGR mudou de posição como quem troca de gravata. É um erro. Nos dois casos o procurador-geral manifestou-se exatamente da mesma forma: em vez de argumentar pela ilegalidade das investigações, pleiteou que o Ministério Público acompanhasse cada passo das apurações, uma vez que é o destinatário final das provas eventualmente colhidas e é o único órgão que poderá apresentar denúncia contra um investigado.
No julgamento da ADPF 572, que discutiu balizas para o inquérito das fake news, o relator, ministro Edson Fachin, atendeu ao pleito do PGR e assegurou o acompanhamento das investigações pelo MP. A coleta de elementos informativos, em toda e qualquer investigação, para não albergar percepções ou afazeres inconstitucionais, deve ser amiúde acompanhada pari passu pelo Ministério Público, que, como se sabe, é o titular da acusação, assentou o ministro.
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