15/06/2021

Implantação de embriões congelados em viúva exige autorização expressa do falecido, decide Quarta Turma

STJ

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, restabeleceu sentença que proibiu a implantação de embriões criopreservados em uma viúva, por entender que tal procedimento, para ser realizado após a morte do cônjuge, depende de consentimento expresso e inequívoco.


Na origem do caso, os filhos do primeiro casamento pediram judicialmente que fosse impedida a utilização do material genético do pai  morto em 2017  pela madrasta viúva, sustentando não existir documento que comprovasse autorização dada em vida.


O falecido e a viúva eram casados desde 2013 sob o regime legal de separação absoluta de bens, já que ele tinha 72 anos na época da celebração do matrimônio. Em testamento particular, o falecido teria deixado a parte disponível da herança para os filhos do primeiro casamento e, para a esposa, o valor de R$ 10 milhões, além do dinheiro necessário para a compra de um apartamento.


Acordo sobre custódia dos embriões

A viúva alegou que haveria autorização do marido para a criopreservação e posterior implantação dos embriões, e que não existiria exigência legal quanto à forma de manifestação desse consentimento.


O juízo de primeiro grau julgou o pedido dos filhos procedente, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença tendo em vista o contrato com o hospital encarregado de conservar o material genético, no qual o casal acordava que, em caso de morte de um deles, os embriões congelados ficariam sob a custódia do outro.


Para a corte paulista, os embriões criopreservados são "inservíveis a outra finalidade que não a implantação em útero materno", e confiar sua guarda à parceira viúva representaria "autorização para a continuidade do procedimento".


Reprodução assistida carece de regras

O ministro Luis Felipe Salomão  cujo voto prevaleceu na Quarta Turma  destacou que o ordenamento jurídico brasileiro possui regulamentação insuficiente para a resolução de conflitos sobre reprodução assistida. O Código Civil de 2002, por exemplo, é omisso quanto à possibilidade de utilização do material genético de pessoa falecida.


De acordo com o magistrado, a Resolução 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina (CFM) preceitua ser possível a reprodução assistida póstuma, desde que haja autorização prévia específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado.


Ele também mencionou o Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo o qual, na reprodução assistida após a morte, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica da pessoa falecida para o uso de seu material genético, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida  mesma linha adotada pelo Enunciado 633 do Conselho da Justiça Federal (CJF).


Efeitos para além da vida

No caso em julgamento, o ministro observou que, como a decisão de autorizar a utilização dos embriões projetaria efeitos para além da vida do indivíduo  com implicações não só patrimoniais, mas também relacionadas à personalidade do genitor e dos que seriam concebidos , a sua manifestação de vontade deveria se dar de maneira incontestável, por meio de testamento ou outro instrumento equivalente em termos de formalidade e garantia.


Para o magistrado, considerar o contrato de prestação de serviços com o hospital uma declaração inequívoca de vontade do falecido significaria admitir o rompimento do testamento que ele deixou, com alteração do planejamento sucessório original por pessoa diferente do próprio testador. O ministro apontou que o hospital também entendeu não haver autorização do marido para a implantação dos embriões após a sua morte.


A autorização dada no contrato  concluiu Salomão  serve apenas para que a viúva possa ceder o material genético para pesquisa, descartá-lo ou deixá-lo intocado, "mas nunca implantá-lo em si, porque aí necessitaria de autorização prévia e expressa".


O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

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